Mundo

  “A década que iniciou”
Por: Jorge Ferrão
No final de 2010 os meus receios prendiam-se, grosso modo, aos problemas da imigração ilegal, em Nampula. Esses receios, intactos, se (re) confirmaram em 2011. Inicialmente, com o sequestro do Vega 5, depois com a onda massiva de imigrantes africanos e asiáticos, que foram chegando por mar, terra e ar. Somália, Etiópia, Paquistão e Bangladesh. Acolher cidadãos de outros países que buscam refúgio é uma obrigação a luz do direito internacional. As restrições colocam-se quando estes são, puramente, migrantes económicos ou de outra natureza. Aqui é necessário uma concertação entre os países envolvidos.

A imigração camuflada com o estatuto de refugiado é uma questão que veio para ficar com todas as inovações e desdobramentos. A fatalidade geográfica de Nampula, eventualmente, fez com que o fenómeno tivesse passado despercebido. Nampula é, em condições naturais, a província que mais imigrantes nacionais recebem, na região norte do país. A imigração internacional, rapidamente se apercebeu e fez desta região, seu ponto de estadia e transito preferidos.  

Temia e temo, que Nampula e o país, eventualmente, nem a região SADC disponham de capacidade técnica, financeira, humana e de outra índole, para lidar com o fenómeno. Aliás, pretendo retomar este assunto, em próximas ocasiões, não apenas como forma de contribuir para a reflexão sobre imigração ilegal, mas igualmente, para induzir as universidades a pesquisarem as dimensões sócias, geopolíticas, económicas, segurança e as implicações sanitárias e de mobilidade epidemiológica.

Para já, a indicação de que Moçambique apenas aderiu a Convenção Internacional sobre Refugiados. Semelhante procedimento, entretanto, não foi adoptado para a Convenção sobre Migração e Emprego de 1939/1949. Por conseguinte, se existe apoio logístico e técnico, mínimo, do ACNUR para lidar com os refugiados, do campo de Marretane, por sinal em condições deploráveis, esse apoio não existe para com os imigrantes, num mundo onde mais de 190 milhões de pessoas são consideradas imigrantes. Portanto, nem a SADC e muito menos a ONU desenharam programas específicos para cuidar desta questão.

Países da Europa, quando a abraços com problemas de migração, recorrem do apoio da União, o que demonstra que esta questão ultrapassa, de longe, a esfera nacional. A Itália, por exemplo tem recebido milhares de refugiados da Tunísia, nas últimas semanas e recorreu de imediato do apoio logístico e financeiro da União, para salvaguardar que as operações fossem conduzidas com sucesso e prevenir que outros países sofressem com a onde de imigrantes. Em caso semelhante, entre Moçambique e RSA, o que sucedeu foi que este último país deportou os imigrantes de volta a Moçambique, como se eles fossem moçambicanos. Aliás, isto é provavelmente, o que continuará a acontecer, com qualquer um dos países vizinhos. (X)

“ Os novos ventos e tempos.”

No limiar desta década as convulsões sociais no mundo, em particular médio oriente dominam as manchetes jornalísticas. Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen, Bahrein e Argélia, quase levaram o mundo a um completo esquecimento sobre a região subsaariana. Vários países passam e passaram por semelhantes eventos, sobretudo quando a demanda recaí sobre a carestia de vida e ausência de democracia na esfera da governação.

Não admira, por conseguinte, que tenhamos esquecido a Costa do Marfim e a longa lista de mais de 20 eleições gerais e parlamentares que ocorrerão este ano no continente africano. Sintomático, ainda, é o Sudão ter passado para segundo plano em praticamente todas as agendas internacionais. Mas o Sudão seria o exemplo de como os novos ventos e tempos, poderiam reconfigura a geopolítica africana e conferir novos contornos democráticos. Falo, naturalmente, das novas fronteiras originárias de modelos pluralistas e democráticos.  

Sudão, pelos desdobramentos e encadeamentos, é caso único na contemporaneidade, no continente africano. Eventualmente, o país deverá subdividir e transformar-se em dois Estados soberanos. Este facto decorre pelo retumbante sim vindo das urnas. Aliás, um sim com maioria absoluta e indiscutível, no último referendo. Concomitantemente, testemunharemos a uma remexida na geografia e história pós-colonial.

Todos os anteriores Estados africanos, pré independência, estabeleceram suas fronteiras com base no postulado da Partilha de Berlim. Apesar das várias guerras e conflitos fronteiriços, estas fronteiras se mantiveram intactas e inalteradas. Com o Sudão se subdividindo em dois, abre-se uma janela e os apetites para que, potenciais regiões autónomas, clamem por mais e maior autonomia e independência, num futuro nem por isso muito distante. Exemplos são vários, começando pela separatista Cabinda, em Angola. Esta década dirá se estas previsões caíram ou não fora do alvo. Para já, ficaremos atentos ao evoluir do nascimento de um novo Estado africano. Sul do Sudão será um Estado que nascerá rico, pois detêm reservas importantes de petróleo, mas sem infra-estrutura tecnologia ou know how e nem capital humano. As expectativas são enormes. Como responderá Cartum ao novo Estado? Como se posicionará a União africana, diante de mais este exercício.  

Da mesma forma, as convulsões no norte de África, quase nos fizeram esquecer que os serviços em língua portuguesa da BBC deverão encerrar, até ao final do mês de Fevereiro de 2011. Já antes se ensaiaram algumas tentativas de encerramento, será que desta vez vai mesmo funcionar? BBC em língua portuguesa é sem dúvida a melhor referência de como fazer rádio para os países lusófonos Com este serviço seguimos os processos de libertação e os mais de 35 anos das independências. Profissionalismo, rigor e isenção, como eles próprios fazem questão de sublinhar. Mais do que isso, ela faz parte do coração de um dos colaboradores deste periódico. Eleutério Fenita, tal como todos nós, estamos de coração partido. (X)

“Os 150 anos do Massachusetts Institute of Tecnology ”

O Massachusetts Institute of Tecnology, mais conhecido por MIT, completa este ano 150 anos de existência. Jovem e pujante instituição de ensino superior e, apenas, a quinta melhor universidade do mundo. Imagino que este ranking a escala global, nem por isso, faz com que o MIT seja tão bem conhecido pelos estudantes e profissionais, das universidades nacionais. O MIT nasceu, então, no momento em que a explosão da electrónica e da computação ocorreu, tendo inclusivamente, feito parte desse percurso. Convenhamos que há 150 anos o conceito de tecnologia era incipiente.

Tudo funcionava com base em modelos científicos, mas muito pouco em modelos tecnológicos. Hoje, qualquer uma destas, são áreas de conhecimento indissociáveis. Porém, nos longínquos anos 1800 -1850 o ensino superior ainda era, intensivamente, baseado no modelo clássico. Quer dizer, a universidade possuía um substrato vasto e maioritariamente de ciências humanas e sociais, e em alguns casos, recorrendo ao Latim e grego que tipificavam o ensino.

Desafiando estes pressupostos e os modelos clássicos, William Barton Rogers, em 1861, Professor de Filosofia Natural e Química, propôs uma combinação que mudaria a história das ciências. Mens et Manus, que em Latim significam Mente e Mãos, assumindo que a teoria jamais se dissociaria da prática. Portanto, criava-se assim o Massachusetts Institute of Technology (MIT). A ideia original, então, seria o aproximar da ciência clássica das chamadas artes práticas como a engenharia, para adicionar uma boa base de pragmatismo a primeira e, conhecimentos enraizados a segunda. Na prática, o MIT se propunha a formar profissionais que pudessem encarar os problemas reais do mundo e dar-lhes solução. Esta instituição, que é uma referência em pesquisa tecnológica, optou também por outros grandes desafios, nomeadamente nas áreas de saúde, meio ambiente, sociologia, filosofia e etc.

O MIT é a minha instituição favorita, obviamente, depois da UniLúrio. Famosa pelas descobertas revolucionárias e pelas mentes brilhantes, como caso de Tim Berners Lee, considerado o Pai da Internet. MIT serviu de casa para outros 76 ganhadores do prémio Nobel, em diferentes áreas científicas. Não se buscam soluções sem referências. Por isso, nesta celebração dos 150 anos, o MIT, retoma filosofia inicial e procura apresentar os argumentos e soluções a sociedade, as empresas e as lideranças políticas. Portanto, este ciclo precisa de estar preparado para discutir com o ensino superior e nunca deixa-lo como um mundo a parte.

O MIT criou uma base de excelência ao longo dos anos. A excelência atrai excelência, da mesma forma como a mediocridade atrai mediocridade. Permanecer nesta instituição é uma tarefa difícil para muitos estudantes e igualmente para os professores. O regime é demasiado competitivo e exigente. As parcerias entre o MIT e as empresas associadas são fundamentais. Não são as empresas gerindo as agendas das universidades, mas antes pelo contrário, é uma combinação de factores e elementos. Por isso, a Google, Amazon, e General motores estão muito próximas do MIT. Nas múltiplas leituras que tenho feito sobre o MIT pude verificar que o sistema HP foi desenvolvido por estudantes e docentes da instituição. Mais importante ainda, é que o MIT atraiu estudantes da China, da Índia e de outros países em desenvolvimento. Neste grupo encontra motivação e talento para singrar. Por conseguinte, o MIT está aberto para todos os interessados e o seu trunfo principal tem sido as áreas de engenharia e tecnologia.

Desde que abracei a Lúrio busco inspiração no MIT. Agora que se celebram os seus 150 anos de existência, existe um legado importante que ficou para o mundo. Pode ser que em nossos países não tenham a propensão e o espaço para deixar significativas contribuições para a ciência, porem, teremos as condições para procurar nos problemas reais e actuais e propor novos modelos e abordagens científicas. Penso sempre que uma vacina contra a malária será, genuinamente, moçambicana, assim como algo para a cólera ou até para criar sistemas de alerta para cheias. (X)


Cuba na Rota dos Furacões
Por: Jorge Ferrão

Sinto um fascínio notável pelas Ilhas e fauna dos Galápagos. Ou não tivesse lido e rabiscado, em detalhe, as descobertas e teorias Darwinistas sobre a evolução humana. Porém, é em Cuba que moram os meus interiores. É sempre com Cuba no imaginário, que faço as comparações, repenso os valores sociais, a cultura e a afirmação de um povo. Esse arquipélago, com o formato de um feijão, impressiona por tudo o que alcança. Pela solidariedade, beleza natural, pela rumba, pelas mãos milagrosas que salvam almas em todo o planeta. Já Columbus, do qual hoje nem sabemos mais se era espanhol, italiano ou português, afirmava, que Cuba era a terra mais formosa que algum humano poderia alguma vez ter visto.


Conheci Cuba, como qualquer moçambicano, sem nunca antes tê-la visitado. Qualquer moçambicano já ouviu falar de Santiago, Camilo Cienfuegos, Matanzas, Isla da Juventude, Havana. Até parece que a geografia cubana se esconde em nossas memórias. Pela imaginação, Cuba pode ser semelhante à Ilha de Moçambique, Ibo, Vamizi, Zanzibar. Poderá também ser como Xinavane, Marromeu, Luabo. Cuba dos canaviais e do açúcar! Cuba da Goiabeira. A balalaica que enfeitou vaidades nos últimos 34 anos.



Cuba é para Moçambique um país e povo irmão. Desfrutamos das mesmas identidades. Caminhos. Os ideais dos jovens de Setembro, Che Guevara, Fidel Castro Ruz, cruzaram-se no tempo, para escrever a história comum. Libertação e independência.


De memórias mais generalistas e revolucionárias, o tempo ajudou a entender Cuba com novos olhos. Cuba do cinema, do desporto, da música, enfim, do turismo e dos furacões. Cuba tem isso e muito mais. Cuba assume, com naturalidade, o paradoxo de ter pessoas alegres e sofredoras, românticas e lutadoras, firmes e cientes do que o seu povo quer e luta. Por isso, qualquer cubano, fala com orgulho da sua terra.


Para além dos predicados anteriores descobri uma nova Cuba. O país que se transformou, nos últimos anos, na sede do turismo de saúde. Para a Ilha, viaja quem pode, procurando milagres para o restabelecimento de suas debilidades e insuficiências. Nesse grupo, até os vizinhos da superpotência estão incluídos. Milhares de pessoas visitam Cuba, amiúde, indiferentes ao bloqueio, para cuidar dos seus dentes, vista e outros. Cuba converte-se, na realidade, num estudo de caso de referência obrigatória, sobre turismo de saúde.



Nem espanta que Cuba tenha hoje mais de 35 mil especialistas de saúde espalhados pelo mundo. Este número é, de longe, superior àquele que a própria Organização Mundial de Saúde, alguma vez conseguiu possuir. Estes especialistas trabalham, quase que, a preço gratuito, devolvendo a esperança, o prazer e a alegria da vida a milhões de pessoas. Por estas razões o seu sistema de saúde se converteu num dos melhores do mundo.



Por tudo isto Cuba impressiona. É apenas gratificante saber que Cuba providencia energia eléctrica em circunstâncias normais, a mais de 98% da sua população. Nem grandes barragens são conhecidas desse país.



Nas últimas semanas Cuba foi canibalizada por uma sequência de furacões. Ventos fortes, chuva e destruição se auto-distribuiram por cada um e todos os cubanos, de norte a sul. As pessoas mais atentas, igualmente conhecedoras e habituadas às catástrofes naturais, expressaram a sua solidariedade. Parecia que tudo havia acontecido no nosso próprio quintal.



O que muitos de nós, todavia, não podemos imaginar, é como Cuba, com ajuda ou sem ela, se recompõe muito depressa dessas intempéries. Cuba, salvo raras excepções, deve ser dos países mais preparados para lidar com as adversidades da natureza. Na verdade, o país deverá ser um dos poucos que se prepara para os desafios do aquecimento global.



O mesmo furacão que passa por Cuba provoca um rasto muito menos destruidor nos EUA. Caem muito menos casas, e as consequências são, de longe, bem inferiores. Este ano a televisão internacional brindou-nos com imagens da superpotência desesperada, rendida à Mae Natureza, milhões de pessoas invadindo estradas, a fuga para o infinito, como nos filmes de ficção.



Quem sabe, a experiência cubana para lidar com os furacões, precisa de ser repassada para muitos países? Assim, o lamento teria outro sentido quando a natureza se rebelasse.



Com ou sem furacões, o turismo de saúde continuou presente. Um amigo recém-chegado, diz que passa férias todos os anos em Cuba, na época alta dos furacões. Quase nem se importa e não tem o menor medo! O que lhe importa mesmo é saber como Cuba recebe mais de 6 milhões de turistas/ano, para visitar 3 ou 4 pequenos parques nacionais com o mínimo de animais, e os nossos parques ficam quase às moscas! (X)